Eu um quilombola!!!?
Ao atender uma ligação de rotina na Representação da Fundação Palmares BA/SE , ainda aprendendo as rotinas dessa nova ocupação, vivi uma experiencia impar, do outro lado um senhor se apresentava e localizava sua comunidade quilombola, ao mesmo tempo eu me encontrava com o passado de minha mãe e avós, embora confuso, surpreso e eufórico me mantive profissional, dei as informações que o dito senhor demandava.
Cheguei em casa muito tarde naquela noite, mas no dia seguinte fui ver minha mãe e lhe disso o nome da localidade, ela aos 76 anos simplesmente me disse; "é daí que eu venho, morava lá com minhas tias quando era pequena."
Partilho um pedacinho do livro Bagunçaço de minha autoria, lançado em 2010, onde intuitivamente discorro sobre minha hipotética origem quilombola.
"Dia 19 de outubro, logo pela manhã, a negra de dijina Unguelê, que era a Kaiai Kairi no terreiro Tumba do Mar, começou a sentir as contrações, presságio de que o dia prometia. A velha Gamo, que é o mesmo que Kavua, parteira experiente e irmã de santo da grávida, logo fi cou alerta, assim como todas as outras muzenzas.1 O que mais preocupava era o fato de que a Mameto de Inquice de dijina Senameã,2 nome de batismo Nair do Santos, estava fora em obrigação no terreiro de sua mãe de santo Deré Lubidí, o Tumba Junçara, na Vila América. Logo, por volta das 11h15, Unguelê pediu força a Kavungo3 e se entregou ao trabalho de parto. Momentos depois, nasceu um menininho, trazido à vida naquele micro-mundo africano encravado na periferia de São Salvador da Bahia. Aquele nascimento — pensou Unguelê — dava ao marido José e à mãe de santo a vitória na aposta, pois seu Cachoeira, o avô, queria menina, logo esse desejo diferenciado virou aposta, que foi dividida com os moradores, frequentadores e admiradores do terreiro. A brincadeira se espalhou por todas as pontes dos barracos-palafi tas onde reinava o terreiro Tumba do Mar. 1 Recém-iniciadas no candomblé. 2 Nome adotado por Nair dos Santos, avó do personagem Pim, após ter se iniciado no candomblé. 3 Orixá das endemias e epidemias, porque tem grande poder de cura sobre as doenças. Jove, como também era chamada Unguelê, registrada como Jovelina Maria Cesaria dos Santos, apesar de exausta pelo esforço do parto, estava tomada por uma enorme felicidade. Ela agradecia aos seus inquices pela dádiva e também pedia vida e saúde para criar seu fi lho, pois, após a morte de sua mãe, Maria Jacinta de Jesus, no parto, Unguelê padecera muito por ter sido criada por parentes. Seu pai, Romualdo Teles dos Santos, somente após uns meses de banzo se refez. E então voltou a participar da organização do Negro Fugido, manifesta- ção popular histórica que encena toda a luta dos nossos antepassados escravizados, suas fugas e capturas pelos capitães do mato. Embora os historiadores não encontrem vestígios de quilombos por aquelas bandas de Acupe de Santo Amaro da Purifi cação, a encenação folclórica do Negro Fugido mostra o sangue quilombola daquele povo. Jovem e de sangue quilombola, Jove não fugiu ao destino reservado a sua gente. Sessenta e cinco anos depois do fi m legal da escravatura, ela, aos 12 anos, foi levada no porão de um saveiro,4 entre bananas, sacas de farinha, cabras e outras mercadorias, em uma viagem de pelo menos oito horas no mar agitadíssimo de abril, que varou a noite e a madrugada na baía de Todos os Santos até chegar ao Mercado da Conceição, em Salvador, onde as crianças negras ainda eram escolhidas por senhoras para trabalhar em suas casas no velho estilo escravista. Todo mês, o dinheiro do seu trabalho era levado para sua família pelo mestre saveirista."
Você pode baixar o livro gratuitamente em http://www.hotsitespetrobras.com.br/cultura/upload/project_reading/0_Baguncaco-Miolo_06.pdf