sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Eu um quilombola!!!?


Ao atender uma ligação de rotina na Representação da Fundação Palmares BA/SE , ainda aprendendo as rotinas dessa nova ocupação, vivi uma experiencia impar, do outro lado um senhor se apresentava e localizava sua comunidade quilombola, ao mesmo tempo eu me encontrava com o passado de minha mãe e avós, embora confuso, surpreso e eufórico me mantive profissional,  dei as informações que o dito senhor demandava. 
Cheguei em casa muito tarde naquela noite, mas no dia seguinte fui ver minha mãe e lhe disso o nome da localidade, ela aos 76 anos simplesmente me disse; "é daí que eu venho, morava lá com minhas tias quando era pequena."

Partilho um pedacinho do livro Bagunçaço de minha autoria, lançado em 2010, onde intuitivamente discorro sobre  minha hipotética origem quilombola.

"Dia 19 de outubro, logo pela manhã, a negra de dijina Unguelê, que era a Kaiai Kairi no terreiro Tumba do Mar, começou a sentir as contrações, presságio de que o dia prometia. A velha Gamo, que é o mesmo que Kavua, parteira experiente e irmã de santo da grávida, logo fi cou alerta, assim como todas as outras muzenzas.1 O que mais preocupava era o fato de que a Mameto de Inquice de dijina Senameã,2 nome de batismo Nair do Santos, estava fora em obrigação no terreiro de sua mãe de santo Deré Lubidí, o Tumba Junçara, na Vila América. Logo, por volta das 11h15, Unguelê pediu força a Kavungo3 e se entregou ao trabalho de parto. Momentos depois, nasceu um menininho, trazido à vida naquele micro-mundo africano encravado na periferia de São Salvador da Bahia. Aquele nascimento — pensou Unguelê — dava ao marido José e à mãe de santo a vitória na aposta, pois seu Cachoeira, o avô, queria menina, logo esse desejo diferenciado virou aposta, que foi dividida com os moradores, frequentadores e admiradores do terreiro. A brincadeira se espalhou por todas as pontes dos barracos-palafi tas onde reinava o terreiro Tumba do Mar. 1 Recém-iniciadas no candomblé. 2 Nome adotado por Nair dos Santos, avó do personagem Pim, após ter se iniciado no candomblé. 3 Orixá das endemias e epidemias, porque tem grande poder de cura sobre as doenças. Jove, como também era chamada Unguelê, registrada como Jovelina Maria Cesaria dos Santos, apesar de exausta pelo esforço do parto, estava tomada por uma enorme felicidade. Ela agradecia aos seus inquices pela dádiva e também pedia vida e saúde para criar seu fi lho, pois, após a morte de sua mãe, Maria Jacinta de Jesus, no parto, Unguelê padecera muito por ter sido criada por parentes. Seu pai, Romualdo Teles dos Santos, somente após uns meses de banzo se refez. E então voltou a participar da organização do Negro Fugido, manifesta- ção popular histórica que encena toda a luta dos nossos antepassados escravizados, suas fugas e capturas pelos capitães do mato. Embora os historiadores não encontrem vestígios de quilombos por aquelas bandas de Acupe de Santo Amaro da Purifi cação, a encenação folclórica do Negro Fugido mostra o sangue quilombola daquele povo. Jovem e de sangue quilombola, Jove não fugiu ao destino reservado a sua gente. Sessenta e cinco anos depois do fi m legal da escravatura, ela, aos 12 anos, foi levada no porão de um saveiro,4 entre bananas, sacas de farinha, cabras e outras mercadorias, em uma viagem de pelo menos oito horas no mar agitadíssimo de abril, que varou a noite e a madrugada na baía de Todos os Santos até chegar ao Mercado da Conceição, em Salvador, onde as crianças negras ainda eram escolhidas por senhoras para trabalhar em suas casas no velho estilo escravista. Todo mês, o dinheiro do seu trabalho era levado para sua família pelo mestre saveirista."

Você pode baixar o livro gratuitamente em http://www.hotsitespetrobras.com.br/cultura/upload/project_reading/0_Baguncaco-Miolo_06.pdf

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Jovens vidas.

Teuzinhoo Stourado Delas
Ontem

23:38
joselito mataro alefe
o neginho que te pidio aqua

Essa foi a primeira mensagem que encontrei o meu Facebook , mais uma
morte de um jovem negro, nada de novo ou espantoso, nada que possa
evitar que o vizinho esteja nesse momento ouvindo no seu corsa 99 o
“chicrete”, bem mais alto que um trio elétrico. Talvez  seja até uma
comemoração, já que “alefe” o “ neguinho” da água, vivia fumando
maconha aqui na rua e isso ninguém gostava, mas como ele era um
maconheiro negro e pobre, provavelmente devia ser um criminoso
perigoso, aqui é assim, o menino começou a fumar maconha e vira um
monstro que todo mundo teme.
Há exatamente duas semanas  “alefe” de seus 1,90 alt, bem negro e
forte, veio me pedi água, chegou aqui na porta do projeto e me
encarou, sua turma de mais de 12 membros na esquina, esperavam para
ver o desfecho do embate, eu que não sou baixinho, mas olhando para
cima lhe respondi,  “ água? Não posso te dá água, você fuma maconha em
frente do projeto que dirijo, não respeita as crianças, nem as "mães
de família" da rua e quer que eu lhe dê água?
Ele me olhou e retrucou de formar ameaçadora   “você vai negar um copo d´agua?”.
No resto da conversa eu lhe expliquei meus motivos, fui sereno e
mantive um tom  cordial, lhe olhei nos olhos e vi um adolescente
respeitoso, ele não me enfrentou como esperara os amigos, eles mesmo
não ousam me enfrentar por motivos óbvios, “ Pim(meu apelido) fala pra
porra ...” e “alefe” coitado saiu dali com o rabo entre as pernas, ele
não ia alterar com um rasta que fala de forma tão paternal, que lhe
disse verdades incontestes, saiu dali e passou a me cumprimentar como
todos os alunos e jovens que estão ou não envolvidos nas drogas ou
crimes, “ êa Pim” e eu respondo, “ diga descarado”.
Eu lhe neguei água e  ganhei sua  admiração,  talvez porque já estava
tudo negado mesmo; saúde, lazer, dignidade e até mesmo a jovem vida.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

20 anos de Bagunçaço



Amigos e parceiros,

                                   daqui há exatamente 90 dias, estarei completando 20 anos fazendo a mesma coisa - o Bagunçaço:  uma das  minhas raras coerências na vida. Recentemente,  conheci um garçom que, há 40 anos, serve um filé famoso aqui na Bahia. Não tenham pena dele nem de mim, no caso dele,  porque é magérrimo  (com certeza é vegetariano rsrrs) e, quanto a mim, porque não vi esses anos passar, brinquei de tocar lata e conheci pessoas e instituição que carimbaram minha alma e fizeram-me uma pessoa plena e feliz.
Com “bagunçaçeiro-mó”, vocês podem imaginar que não fiz o grande projeto de festa de 20 anos, como sempre, mantendo meu estilo improvisador.
Escrevo para lhes convidar a participarem da festa,  pessoalmente ou virtualmente. Marquem nas suas agendas: BAGUN'FEST'LATA, dia 20 de dezembro de 2011. E fiquem atentos  às  minhas solicitações de ajuda para esta grande festa.
Para terminar, chamo a sua atenção para uma coisa, os maias marcaram o fim do mundo para 21 de dezembro de 2012. Este povo milenar teve a decência de não estragar o Bagun´fest'lata de 21 anos de Bagunçaço, mas como pode haver alguma antecipação inesperada de fim de mundo, por garantia, esperamos todos vocês, desde já, nestes 20 anos.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Um “Tom” black, do Brasil e do Bagunçaço...



“No Top 4” um vizinho me interpela na rua, dizendo que não vota no Tom Black porque ele não fala na comunidade dos Alagados (Uruguai, Jardim Cruzeiro, Massaranduba...). E eu tento amenizar, respondendo que ele falou sim de Salvador algumas vezes, mas o vizinho indignado, fala que ele não nasceu em São Francisco do Conde, sei onde o vizinho quer chegar e ele chegou logo, completando; “ele tinha que falar do Bagunçaço, todo mundo sabe que ele se criou aí dentro, morava aí com vocês...”
.
O vizinho saiu sem saber por que ele estava tomando minhas dores e eu ainda defendia o famoso ingrato, ele acredita que eu estava sendo injustiçado por não ver o projeto – ao qual eu estou felizmente entalado até o pescoço por mais de 18 anos – não ser exortado nas apresentações de Neuton (Tom Black agora) nos Ídolos. E a coisa ia piorando, pois outros me paravam dizendo que isso era decepcionante, mas também tem aqueles que simplesmente me felicita dizendo; “Nosso menino está nos orgulhando...” somos pessoas simples, porteiros, feirantes, traficantes, religiosos, ladrões, desempregados, artistas, empregadas domésticas, camelôs e tanto mais, entre revoltados e felizes nos vemos representando por um menino que conhecemos bem, pois o mesmo vivia largado a sorte como todos os outros que conhecemos e agora que ele aparece na televisão em horário nobre sendo a pauta da vez, realmente é compreensível nossa surpresa e reações diversas.

Eu o conheci em 1995 quando fomos nos apresentar com nossa banda de lata aqui mesmo numas das ruas do bairro e era exatamente a que Neutom morava. O Ro, amigo em comum, disse pra mim: ”tem um pivetinho, irmão de Narcisinho que canta pra porra, aliás todo mundo canta naquela família, só não tiveram ninguém pra ajudar, batem um barrela danada...”, Fiquei curioso e atento a apresentação da Bandaço, (banda adolescente inspirada no Olodum de sucesso na Cidade Baixa, a molecada aqui se espelhava nela, sendo a mesma muito importante para o surgimento do Bagunçaço, o nome é em parte uma paródia a banda de percussão mais importante da época nos Alagados).

A Bandaço fez seu show com a potente e maravilhosa voz de Narcisinho e ele chamou o irmãozinho então com dez anos para dá uma canja e foi surpreendente, tenho que dizer que era uma cabeça apoiada em um troco esguio e que se equilibravam em dois cambito, mas a voz era afinada, ele conseguia brincar com as notas, ele cantou uma canção que não sei o autor mas até hoje lembro, “…Tetra da bola de gude / Capitão de areia eu fui / com Tereza namorar/ nas canções dos marinheiros...” . Logo Ró e Narcisinho nos apresentaram ao garoto. Narcisinho do jeito gozador dele foi logo dizendo; “Leva pra sua banda de lata, é melhor que ficar aqui na rua se perdendo...” e graças a Deus eu trouxe, com o tempo e os ventos da vida ele veio de mala e cuia, durante pelos menos uns 8 anos ele nos ninou com seu canto lindo, teve momentos difíceis, de enfrentamentos, pois a adolescência não poupa nem os mais afinados, entretanto a música cicatrizava cada perebinha que a convivência causava.

O vizinho que tentava me defender das supostas ingratidões de Neuton não sabia que os filhotes voam sempre, ou quase sempre, sendo mais saudável que voem e vão conhecer outras paragens. Para a nossa sorte, o Neuton voou e foi pousar em São Francisco do Conde, terra linda do Recôncavo baiano, que lhe acolheu de braços abertos, foi lá que ele encontro o reconhecimento de sua linda música e também sua musa esposa Dina e forças para voar cada vez mais alto.

O Tom Black é nosso orgulho e estamos torcendo por ele incondicionalmente, eu posso confessar que sentir sua energia muito madura e consciente durante o abraço que ganhei dele sexta-feira à noite(, quando fui esperar na condição de fã, como centenas de pessoas que se aglomeraram no aeroporto de Salvador, pois ele veio gravar matérias para o final do Ídolos.

Tom você já é um vencedor, por tudo que você representa. Dê um abraço no seu adversário Israel, pois é um menino também iluminado e saiba que todos que te conhece esta torcendo por você, agora até o vizinho, pois ele já entendeu que você é nosso, mesmo que isso não seja divulgado em horário nobre.

Vote enviando a palavra Tom para 77014

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

O passarinho, ainda os Alexsquia e a normalidade

Chego no Bagunçaço as seis da manhã e me deparo com ele ou na verdade com seus chamados
pela mãe, era um som diferente e repetitivo, depois de uns vinte minutos procuro a origem e lá o
vejo acuado nuns dos corredores, tento me aproximar, mas ele assustado esbouça um voo que o
leva pra mais longe, tenho que voltar a minha sala, pois estou com Lennart no skype, meu assessor
para assunto escandinavo. Ele, na Suécia, tratamos de doações para o projeto – penso que já já um
menino chega e com disposição pega o filhote de passarinho e coloca de volta numa das arvores.

Assistindo o telejornal que cada vez insiste em mostrar quão atual é a música do Raul ”Eu não
preciso ler jornais, mentir sozinho eu sou capaz”, vejo alguém da secretária de saúde explicar
porque só três dias para a vacinação de meningite, segundo a entrevistada o governo tem outras
campanhas de vacinação, foram três dias de tumulto, brigas e até tiroteios, pois a população no
instinto da preservação da espécie, pernoitou nos postos de saúde, que por sua vez teve os horários
de vacinação alterados sem aviso prévio.

Ouço ao longe o som da nossa Eco-Afro Filarmônica; trompetes, descargas sanitárias, clarinetas,
tonéis, saxofones e latas entre outros que esforçam-se para criarem uma harmonia. A bagunça
sonora me alegra, vou dá uma olhada na sala de música e vejo o Pedro Alexsquia, 11, todo garboso
com um trombone de vara maior que ele. Vejo também Lucas, 12, irmão de Rênio, 17, que tomou
dois tiros no dia anterior. Chamo-o e pergunto pelo irmão, ele diz que ainda esta no hospital,
infelizmente assim como eu, ele também trata a conversa com normalidade, pois essa é a quarta vez
que Renio é baleado. Novamente me volto ao Alexsquia, lembro que é o último dia da vacinação
e lembro também que ele não existe, pois segunda a mulher da entrevista, “crianças de 10 a 14
devidamente documentadas com certidão de nascimento ou carteira de identidade originais” nisso
ela não mente e é taxativa.

Meus filhotinhos de passarinho!!! Por favor, evitem ao máximo caírem de seus ninhos, mamães
passarinhos prestem atenção em seus filhotes, sabe aqueles traquinas e inquietos? Ou até os quietos
demais? Eles podem cair do ninho e minha experiencia de quase 20 anos de Bagunçaço mostra que
dá um trabalhão colocar de volta. Tomo todos os cuidados enquanto um especialista (um moleque
qualquer) não chega para devolver o passarinho ao ninho, fecho a porta para o gato da vizinha não
entrar e deduzo que ele não conseguiria ir para a nossa área externa, onde nossos “pit latas,” (dois
cachorrinhos crias de um pitbull de um amigo com um vira lata da vizinha, a fêmea se chama Lata
e o Macho Pit) patrulhavam, esse nossos guardiões fora os nomes e a origem, são a coisa menos
criativas que temos, são amáveis conosco, mas desconfiados, já causaram muitos transtorno, mas
são nossa segurança patrimonial.

Semana passada chamei Rênio e seu amigo Guaraná, 16, dei conselhos, eles estavam fumando
maconha aqui perto do projeto, eu já tinha notícias de que suas cabeças estavam a prêmio, eles
criaram há dois anos com outros colegas a Equipe DVD, um bonde para fazer frente aos jovens
de outras favelas nas festas. Começaram com brigas, evoluíram para tráfico e roubos, ficaram
famosos e agora tudo que acontece aqui é atribuído a eles, às vezes são eles mesmo, muitas vezes
não, nas janelas alguns vizinhos não entendem como eu posso ter tanta autoridade com esses
meninos armados com pistolas, eles não erguem a cabeça enquanto falo, aconselho que saiam
da comunidade, mudem de vida, invoco nomes de pelo menos uma dezena de outros meninos já
mortos.

Rogério, 15, não difere em nada dos meninos da Equipe DVD, inclusive é a cara dele que aparece
na foto do Jornal sendo revistado, quando após a morte de um agente penitenciário durante um
assalto aqui na favela a policia tenta mostrar serviços, Rogério é um menino pacato, de fala mansa,
atencioso, bom filho, vai a escola todo dia, e nem se quer tem muita intimidade com os meninos
envolvidos no tráfico, ele ficou muito triste de sua aparição no jornal, sua mãe indignada, mas
favelados é tudo igual, peço a Rogério que salve o passarinho, ele sai para cumprir a missão e volta
com aquela cara de quem não vai dizer – Deu merda. E diz ao explicar que o passarinho conseguiu
passar para a área externa e foi estraçalhado pelos pit latas, em seguida me pergunta se ouvi tiros na
madrugada, por fim conta que Guaraná foi morto com 6 tiros dentro da própria casa, para completar
Andréa (professora do nosso reforço escolar) me avisa que só faltou quebrar o posto de saúde, mas
a mulher lá não vacinou o Alexsquia, pois ele só tinha o cartão de vacina, faltava a certidão de
nascimento que ele nunca teve, aos 11 anos.

Ahhh!! amigos como é difícil!!! batalhas perdidas, não salvamos o Guaraná da Secretaria de Saúde,
o Alexsquia dos Pit Lata (cachorros), nem tão pouco o passarinho do grupo de extermínio, a ordem
das coisas aqui já não importam mais.
Obs.: Usei um pseudônimo para o passarinho por questões de segurança.
Obs2.: E AGORA O QUE É QUE EU FAÇO?

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Eleições & Sociedade Civil

Nosso site reproduz aqui as entrevistas que compõem a série dominical Eleições & Sociedade Civil, escrita pelo jornalista Geraldinho Vieira para o Blog do Noblat.

Geraldinho Vieira é vice-presidente da ANDI - Agência de Notícias dos Direitos da Infância, consultor de ongs e fundações na área da  em comunicação para a transformação social e professor da FNPI - Fundación Nuevo Periodismo (entidade colombiana presidida pelo jornalista e escritor Gabriel García Márquez).
Enviado por Geraldinho Vieira -
30.5.2010
| 15h17m
ELEIÇÕES & SOCIEDADE CIVIL (5)

Descamisados, bolsistas... eles, os outros

 “Não, a periferia e tudo o que ela significa não se vê representada nos discursos e debates para a eleição presidencial. Em nível local/estadual a população marginalizada e as regiões do entorno das metrópoles tornam-se meros objetos da discussão, sem voz, sem protagonismo. Sequer como coadjuvante estas vozes se fazem ouvidas”.
Joselito Crispim, 31, vive nos Alagados, Bahia. É autodidata no que se refere à história ocidental e aluno da experiência viva dos terreiros na compreensão do oriente, d´África. “Sou um padeiro metido a pedagogo”, define-se.
A região onde Crispim vive começou a ser aterrada nos anos 50. Ali casas erguem-se em palafitas sobre o mar para abrigar famílias de baixa renda com alimentação, higiene e saúde em situação precária.
“Na formulação de políticas públicas e durante as campanhas eleitorais, pobres, negros, homossexuais, religiões de minoria... estes são os outros, os que têm um adjetivo, são os descamisados, os bolsistas”, completa Joselito - quinto encontro desta série Eleições & Sociedade Civil (breves diálogos com lideranças sociais sobre o que esperam do processo eleitoral).
Alagados é síntese da periferia brasileira. Nos seus bairros Uruguai, Jardim Cruzeiro e Massaranduba nasceu, em 1991, pelo desejo da meninada e porque não havia qualquer outro espaço/equipamento de diversão, uma das primeiras bandas de lata no Brasil. Bandas de latas e descargas velhas, “opção de sobrevivência e solidariedade”.
Pelas mãos de Joselito, hoje estudante de Direito, a banda foi crescendo, começou a realizar espetáculos aqui e ali... e logo nasceram outras e outras bandas de lata. Juntas, formaram o Grupo Cultural Bagunçaço – que hoje reúne/atende 235 meninos e meninas em atividades ligadas a dança, música, reciclagem, preservação do meio ambiente, literatura e cursos profissionalizantes.
Educação e ética na política são temas que Crispim gostaria de ver nas campanhas e para além das campanhas, mas já ouvimos, não sei se de Mafalda ou de Quino, algo como “as urgências não permitem ver as prioridades”. E a Bahia está mergulhada numa destas urgências – a enorme explosão de violência urbana - em torno da qual a falta de qualidade dos debates impede investigar as raízes dos desafios e criar soluções reais.
“Como ter esperança de que o processo eleitoral aprofunde os debates se a questão da segurança pública, por exemplo, é tratada como um ôba ôba enquanto vivemos entre tiroteios e balas perdidas”?, pergunta Joselito.
- “Aqui, entre discursos e promessas dos candidatos a cargos locais e estaduais, perpetuam-se demonstrações de macheza do tipo ´tem que ser homem de pulso forte, vou botar mais polícia e mais viaturas nas ruas´. Prometem uma tal polícia pacificadora, mas não falam em escola de qualidade. Há 3 anos, a campanha de segurança pública falava em ´saneamento´, ou seja, o povo virou cocô mesmo” - comenta Joselito sobre os debates eleitorais.
Lembro a Joselito que não apenas os políticos, mas também a imprensa não sabe o que é a periferia, não vai onde não há asfalto. “Vem sim” - retruca o padeiro-educador. “Já disseram em música e prosa que a carne mais barata do mercado é a carne negra, e é mesmo. Para comprar dessa carne a imprensa vem sempre aqui”.
Não é a de um Brasil apassionato nem aquele que cabe nos debates inférteis a imagem que Joselito me devolve: “Aqui a polícia chega junto com o repórter. Jornais e televisões concorrem por defuntos. As imagens veiculadas dispensam autópsias, são pródigas em órgãos expostos. Os textos da imprensa julgam e condenam antes dos tribunais”.
Em Alagados, síntese da periferia do Brasil, sobrevive a esperança de que a democracia avance, que o entendimento que temos de “sociedade” seja plural e que os governantes saibam discernir entre urgências e prioridades.
Sobrevive sim a esperança, mas a verdade é que a “moda” aqui não é um debate eleitoral novo, onde as vozes periféricas são ouvidas e seus anseios representados ou onde a internet dá régua e compasso às campanhas.
Assim fala Joselito Crispim: “A moda agora é vender imagem de defunto, feitas com celulares roubados por crianças de 10 anos que tem da violência uma percepção de a última novidade”.
*O Grupo Cultural Bagunçaço (www.bagun.tvlata.org) tem apoio da Coelba, Sesc e associações/fundações de amigos voluntários. Há um braço de apoio na Europa – a Fundação Bagunçaço da Suécia – e em 2003 nasceu o braço africano, o Instituto Juvenil Bagunçaço de Moçambique.
 

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O entrave existencial dos Irmãos Alexsquia

Meu trabalho como educador comunitário é vender sonhos, muitas vezes beira a enganação, porque nem sempre o produto é entregue, sonho é muito perecível, estragando muito rapidamente, além disso, a reposição tem que ser rápida. Como qualquer vendedor sou muito observador, tentando adivinhar necessidades, e não foi diferente com os "clientes” que vos apresento agora; estávamos no calor de dezembro e com a casa cheia, geralmente dezembro é um mês danado para parir molecada, por ser o inicio das férias de verão.


Sou avisado pelo porteiro que um grupo de criança está no final do dia subindo no telhado e tomando banho no nosso tanque, o porteiro não sabe precisar se são crianças do projeto ou não, mesmo com vigilância redobrada a coisa piora e o grupo de banhista aumenta, tornando a água que bebemos insalubre, após uma assembleia descobrimos que os banhistas são da mesma idade de nossa clientela, moram no mesmo lugar, mas como prova de que milagres acontecem, dessa vez eles juram que não são eles e com razão.

Após uma tocaia organizada pela nossa malta, conseguimos pegar os banhistas, não houve surpresa, eram vizinhos, colegas de escola e até parentes de meninos e meninas do Bagunçaço, assustados e cercados pelas crianças do projeto que a essa altura queriam resolver a coisa na porrada e acusavam os banhistas de serem ”alemãos” por se divertirem e ainda deixando a culpa para eles, mas eu sei que aquilo era só inveja, aquele tanque era deles, porém sabiam usar sem levantar suspeitas, por fim aqueles amadores estragaram tudo.

Durante o interrogatório, no meu novo papel de delega, percebi que entre uma surra da mãe diante de uma queixa e qualquer outra opção eles ficariam com a segunda alternativa, então rapidamente virei vendedor de sonho novamente e os convidei para uma lavagem de tanque com todas as outras crianças do projeto.

Depois da lavagem do tanque, leia-se festa, todos já eram aliados, e como em poucos dias dali aconteceria nosso festival anual, o Bagun´fest´lata, nossos ex-banhistas de tanque foram convidados a participar desse dia “D” e se transformaram na banda “Som na Lata”. Foi ai que descobrir os irmãos Alexsquia(um de 11 anos e o outro com 13anos), eles dois, Peu, Negão e mais uns seis estavam se cadastrando, e como não somos nenhuma loja de eletrodomésticos, aceitamos como dados cadastrais as informações que o cliente quer nos dá, o principal é ser pobre, negro, criança e tocar lata e eles estavam aptos.

Três meses se passaram e agora estamos na época da escola, novamente vendendo meu sonho aqui e ali observei que os Alexsquia estavam sempre pela rua a qualquer hora, não demorei a descobrir que eles não tinham registro de nascimento, por isso estavam fora da escola, descobrir ainda que moravam só com o pai, o mesmo trabalhava o dia todo, mas só depois de muitas tentativas conseguir encontrar o pai, a essa altura eu já desconfiava de se tratar de uma figura lendária como a maioria dos pais aqui pela periferia.

Se você já assistiu a uma novela mexicana a seqüência da minha narração vai lhe parecer familiar, caso nunca tenha assistido vai achar que eu estou ”viajando”, porem tenho que admitir ser incapaz de fazer um roteiro de novela mexicana, terei que empobrecer a obra e até deixar algumas lacunas que nem mesmo o pai não me pareceu capaz de explicar bem.

Ao entrar em trabalho de parto a mãe dos Alexsquia deu entrada na maternidade sem documentos, foi declarada Chirleidalva Silva por uma vizinha que a levou ao hospital, pouco mais um ano depois voltou lá para parir o segundo Alexsquia, e foi mais uma vez registrada pelo mesmo nome, agora mãe de dois meninos e já perto de parir o terceiro filho, foi no interior onde morava tirar uma segunda via de sua certidão de nascimento, pois queria tirar os documentos ; carteira de trabalho e titulo de eleitor entre outros, assim foi ao cartório, junto com o pai das crianças que se chama Roberto Alexandria e levou uma garrafa de cachaça para o tabelião, pois sem isso ele não achava os livros de registro e ainda de mau humor dizia que a pessoa não era registrada ali, só ao chegar em Salvador que ela se deu conta que o registro era de uma tal de Chirley Alexsquia, era fácil de entender, com a grande fila que enfrentou ela deveria ter sido a trigésima a presentear o tabelião com uma caninha.

Sem dinheiro para voltar ao interior fez todos os documentos com o novo nome e agora não pode registra os dois filhos que no documento da maternidade constava como mãe Chirleidalva e não Chirley, porem no nascimento da filhinha já deu entrada no hospital com o novo nome, o tabelião não só a casou com o parceiro na certidão de nascimento, lhe deu um novo nome abreviado, como melhorou o sobrenome do parceiro, na verdade ela se tornou uma nova mulher, hoje não vive mais com o parceiro e também não é mãe dos filhos que pariu e “euzinho” estou na luta para conseguir os registros de nascimento e conseqüentemente a entrada dos traquinas irmãos Alexsquia na escola, os tirando da inexistência, ”puta que pariu viu! (by Joselito Crispim)

BLOG DU PIM NO AR

Estou construindo mais uma ferramenta de comunicação, aqui a gente vai falar de tudo...
Espero que gostem e que seja mais um canal de comunicação...
Aguardem....